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19 de março de 2020OS REFLEXOS DO RECONHECIMENTO DA PANDEMIA DO COVID-19 NOS CONTRATOS DE TRABALHO
A Organização Mundial da Saúde declarou no dia 12 de março de 2020 (GIRARDI, 2020), pandemia[1] do novo coronavírus, o Covid-19, ante o reconhecimento que a doença alcançou disseminação global.
Esse cenário tem mudado a rotina em escritórios, fábricas e demais ambientes de trabalho, tanto que houve criação de uma legislação específica- Lei nº 13.979, pelo presidente Jair Bolsonaro, em 07 de fevereiro do corrente ano, a respeito das medidas a serem adotadas durante a emergência internacional do surto.
O art. 3º da Lei nº 13.979/2020 prevê um rol exemplificativo de medidas que poderão ser adotadas pelo Poder Público para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus.
Segundo Marcio André Lopes Cavalcante (2020), quando a lei dispõe sobre isolamento no artigo 3º, I, quer dizer separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus. As condições e o prazo de isolamento serão definidos em ato do Ministro de Estado da Saúde.
Ademais, a quarentena disposta no inciso II, conforme o mesmo doutrinador é a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.
As condições e o prazo de quarentena também serão definidos em ato do Ministro de Estado da Saúde.
No caso dos brasileiros que vieram de Wuhan, na China, o Ministério da Saúde determinou que eles ficassem de quarentena pelo período de 18 dias. (NASCIMENTO, 2020)
Verifica-se a diferença disposta no artigo 2º da aludida lei, entre isolamento, que se refere às pessoas já atingidas e quarentena, que diz respeito às pessoas sujeitas a contaminação.
Ademais, a lei também impõe no artigo 3º, em seu inciso III, medidas de relação compulsória de exames médicos; testes laboratoriais; coleta de amostras clínicas; vacinação e outras medidas profiláticas; ou tratamentos médicos específicos; dentre outras medidas.
E, mais recentemente em 11 de março há uma portaria ministerial a de nº 356, que dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). (UNIÃO, 2020).
Ademais, essa portaria regulamentou em seu artigo 3º sobre o isolamento que somente poderá ser determinado “por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 (quatorze) dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão. ”
O parágrafo segundo do artigo 3º também dispõe sobre a medida de isolamento ser efetuada, preferencialmente, em domicílio, podendo ser feito em hospitais públicos ou privados, conforme recomendação médica, a depender do estado clínico do paciente.
Em continuação, o parágrafo terceiro do mesmo artigo da portaria referida regulamenta que não será indicada medida de isolamento quando o diagnóstico laboratorial for negativo para o SARSCOV-2.
Pois bem, é incontroverso que o empregado faltar ao trabalho por motivo de doença, já é considerado pela legislação como falta justificada. É o caso do art. 6º, §1º, “f”, da Lei nº 605/49, que estabelece que, se o empregado faltar ao trabalho por motivo de doenças, devidamente atestado, não perderá o salário e o Descanso Semanal Remunerado (DSR’s).
O tempo de afastamento é o necessário para que a pessoa possa restabelecer por completo sua saúde, a critério do profissional de saúde, o qual somente poderá ser contestado por uma junta médica (dois ou mais médicos). Assim, o tempo de afastamento não tem prazo pré-definido. O certo é que o serviço médico da empresa pode abonar apenas os primeiros 15 dias (Súmula 282 do TST), devendo encaminhar o segurado à perícia médica da Previdência Social quando a incapacidade ultrapassar os 15 dias consecutivos (art. 60, § 4º, da Lei 8.213/91).
Não obstante, aquelas empresas cuja atividade fim está relacionada com turismo, que lidam com estrangeiros, por exemplo, ou com brasileiros que precisam ir para o estrangeiro para executarem quaisquer serviços e retornarem ao Brasil, o questionamento que impera é se mediante suspeita do empregado estar com o vírus, o empregador pode exigir as medidas asseguradas no artigo 3º da lei excepcional de 2020 supramencionada?
A resposta seguramente deve ser positiva, pois não se trata de invasão à privacidade ou intimidade do empregado, senão vejamos:
É cediço que não pode o empregador, pelo simples fato de ter o empregado a ele subordinado e lhe pagar salários, desrespeitar sua privacidade no ambiente de trabalho ou fora dele, violando-lhe a intimidade, em nome de um suposto poder de direção.
Como ocorrido, a título de exemplo no processo trabalhista nº RR -876-59.2010.5.05.0221, cuja relatora foi a ministra Maria de Assis Calsing em que a Sociedade Técnica de Perfuração (Sotep) foi condenada a pagar R$ 6000,00 (seis mil reais) a um empregado por fazer exame toxicológico no trabalhador sem o seu consentimento. (Exame…, 2013)
No caso do corona vírus, trata-se de saúde pública, cuja interpretação deve sobrepor em face do direito à privacidade, tanto que a Lei nº 13.979/20, dispõe que o empregado pode ser demitido por justa causa e, ainda responder por crime de responsabilidade, no termos do artigo 3º, parágrafo 4º, da mesma lei.
Ademais, o artigo 8º da CLT também dispõe que “as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. ”
Assim, caso este empregado não adote as medidas já mencionadas ou não use uso de álcool gel, higienização periódica de mãos, dentre outras, que deverão ser disponibilizados de forma gratuita pelo empregador, tal recusa equivale a não uso deliberado de equipamento de proteção individual (EPI), estando sujeito à demissão por justa causa.
Isso porque está entre as obrigações da empresa cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho. Além disso, também deve instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, sobre as precauções a tomar para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, conforme artigo 157, I e II da CLT.
O empregado, da mesma forma, tem o dever de observar as normas de segurança e medicina do trabalho e colaborar com a empresa na sua aplicação. Quando correr perigo manifesto de mal considerável, conforme artigo 483, alínea “c”, da CLT, ele pode considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização, desde que configurado risco iminente.
Agora se este empregado, como por exemplo, um enfermeiro adquiriu o coronavirus no ambiente de trabalho, qual seja no hospital, deverá ser afastado por acidente de trabalho, conforme dispõe o artigo 4º da CLT e artigo 19 da Lei nº 8.213/91, desde que comprovada a responsabilidade do empregador pela contaminação e por omissão das medidas protetivas a proliferação do vírus, nos termos da Lei Previdenciária.
Ou, caso o indivíduo tiver que se ausentar do trabalho por conta das medidas acima explicadas no artigo 3º da Lei 13.979/2020, isso será considerado falta justificada seja ele servidor público, seja trabalhador da iniciativa privada, pela descrição do artigo 3º, §3º do mesmo dispositivo legal.
No entanto, e se esse empregado se recusar a trabalhar, ante a pandemia decretada? Poderia ser demitido por justa causa por incontinência de conduta descrita no artigo 482, b ou abandono de emprego do artigo 482, i da CLT?
Não há norma especifica que trate a esse respeito, mas seguramente se o empregado for obrigado a laborar no ambiente de risco eminente como na Itália, por exemplo pode se recusar a ir se a empresa exigir por questão de saúde pública, ante a fundamentação já exarada anteriormente. Diferentemente, se não há risco eminente de contaminação poderá vir a ensejar justa causa.
Ressalva-se, que aquelas atividades que cuidam dos doentes, deverão ser tomadas atitudes em prol dos funcionários trabalhadores e da população em geral, por consequência reflexa, como o rodízio desses empregados pela diminuição à exposição dos doentes, já que o que deve imperar é o dever de colaboração inerente à boa fé contatual.
Cooperar significa colaborar, assumir um comportamento reflexivo, que não se restrinja a um objetivo individual, mas dirigido a um interesse comum. No âmbito negocial a cooperação assume posição de destaque. (BORGES; PASQUAL, 2017)
As partes contratantes acima de tudo devem buscar o perfeito desenvolvimento do vínculo, a constituição, desenvolvimento e adimplemento segundo o que determina um padrão ético de comportamento é que deve imperar. (BORGES; PASQUAL, 2017)
Uma das medidas sugeridas para evitar a aglomeração de pessoas é o teletrabalho ou home office, que aparece como um grande campo de desenvolvimento, propiciando que o trabalhador possa, de qualquer espaço físico ou virtual, produzir e obter seu meio de sustento. Para o empregador, dentre as diversas vantagens, destaca-se a econômica, na medida em que pode reduzir seu espaço físico, antes destinado primordialmente a acomodar seus colaboradores e as ferramentas de trabalho (RUARO; FINCATO, 2014).
A CLT incorporou, com a Reforma Trabalhista, o Capítulo II, constituído pelos arts. 75-A a 75-E, regulamentando o teletrabalho.
Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (art. 75-B, caput, CLT). Teletrabalho é, portanto, o trabalho a distância.
Entretanto, adverte Vólia Bomfim Cassar (2017) que conceituar teletrabalho como aquele que preferencialmente ocorre a distância é um conceito equivocado, “motivo pelo qual deve ser substituído o texto do artigo 75-B para adotar a técnica semântica: teletrabalhador é o trabalhador externo, a distância, que trabalha com as novas tecnologias relacionadas com a informática e telemática”.
Referida forma de prestação de serviços deverá constar expressamente do contrato de trabalho (art. 75-C, caput, CLT), ressaltando-se que o comparecimento do empregado às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam sua presença (como reuniões, treinamentos etc.) não descaracteriza o regime de teletrabalho (art. 75-B, parágrafo único, CLT).
Ademais, poderá ser realizada alteração entre regime presencial e de teletrabalho, desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual (art. 75-C, § 1º, CLT), bem como do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de 15 dias, com correspondente registro em aditivo contratual (art. 75-C, § 2º, CLT).
As disposições relativas à responsabilidade por aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto (computador, mesa e cadeira etc.), bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito (art. 75-D, CLT). De qualquer maneira, tais equipamentos, quando fornecidos pelo empregador, não integram a remuneração do empregado (art. 75-D, parágrafo único, CLT).
O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, devendo o empregado assinar termo de responsabilidade, comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas (art. 75-E, CLT).
Finalmente, previsão bastante relevante consta do art. 62, III, da CLT: o teletrabalho passa a ser uma das exceções ao controle de jornada.
Para explicar o capítulo do teletrabalho, Geraldo Magela Melo (2017) explica que o operário que labora externamente – caso de vendedor externo, motorista, trocador, ajudantes de viagem, dentre outros que não têm local fixo para exercer suas atividades – não é teletrabalhador. Isso porque é considerado externo e pode vir a ser enquadrado na disposição do art. 62, I, da CLT, ainda que utilize equipamentos informáticos, como palms, smartphones e rastreadores via GPS para se comunicar com o empregador.
Por outro lado, estará no regime jurídico do teletrabalho quem exercer, na maior parte do tempo, suas atividades extramuros empresariais, mas, via de regra, em local específico, sem necessidade de se locomover para exercer suas atividades. Por exemplo, residência própria, biblioteca, cafeteria, mas desde que utilizando tecnologias da informação e telecomunicação, especialmente por meio da internet, como e-mail, WhatsApp, Facebook, para recebimento e envio das atribuições ao empregado.
Como visto este trabalho mediante home office precisa de mútuo consentimento. Para tanto, o egrégio Tribunal Superior do Trabalho sugere que haja aditivo contratual com esta previsão, ou seja, enquanto durar a pandemia o empregado pode permanecer laborando em casa, porém o local contratual de prestação de serviços continua sendo o endereço da empresa ou novamente uma negociação coletiva para o período de pandemia. (ROMEIRO; ÁVILA, 2020)
Ademais, outra solução a ser adotada seria o lay off O termo lay-off, derivado da língua inglesa, nos remete a uma situação de suspensão temporária do contrato de trabalho, de dois a cinco meses, seja por falta de recursos financeiros (pagamento de salários), seja por falta de trabalho/atividade que ocupe toda a mão de obra da empresa, conforme artigo 476-A da CLT.
Nesse período o empregado deverá participar de curso ou programa de qualificação profissional oferecido pela empresa, em conformidade com o disposto em convenção ou acordo coletivo.
Para tanto, são necessários três requisitos: expressa regulação do afastamento por convenção coletiva; necessidade de autorização do empregado e formação do empregado mediante sua efetiva participação em programa ou curso de qualificação sem ônus.
O salário dos empregados é pago pelo Governo através de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), respeitado o limite do teto do seguro desemprego aplicável à época da suspensão contratual, situação admitida pelo artigo 7º, da Medida Provisória nº 2.164-41/01, que alterou o artigo 2º da Lei 7.998/90 e criou a “bolsa de qualificação profissional”.
No entanto, e para aqueles empregados que não tem essa possibilidade, como os domésticos e os diaristas. Essa questão é complexa, haja vista que esses trabalhadores muitas vezes fazem uso do transporte púbico até alcançarem os seus respectivos trabalhos, estando expostos, portanto, a possíveis contaminações.
A Lei 5.859/72 conceitua o empregado doméstico como sendo “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou família, no âmbito residencial destas”. E a Lei Complementar 150 de 2015 acrescenta neste conceito, conforme seu artigo. 1o, , que o doméstico é, “assim considerado aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei. “
Dessa forma, não apenas faxineiros, como também babás, cuidadores de pessoas e motoristas podem se enquadrar nesta definição.
Já os empregados diaristas fazendo uma interpretação do conceito de doméstico são aqueles que prestam serviços de limpeza no ambiente domiciliar por até dois dias por semana. São trabalhadores autônomos e recebe por serviços prestados.
Nesse caso, a Lei nº 13.979/2020, em seu artigo 3º,§3º permite aos empregadores que peçam a seus funcionários domésticos que fiquem em casa sem, contudo, interromper o pagamento, como forma de combater a disseminação do vírus, tanto que esses dias serão considerados como faltas justificadas, que não importa em interrupção no pagamento de salário, tampouco sua diminuição.
No entanto, tal regra não se aplica para os diaristas, já que os empregadores poderão solicitar a interrupção imediata dos serviços, com a consequente interrupção dos pagamentos, já que o pagamento é feito de acordo com o serviço prestado.
Assim, seja para os domésticos ou para os outros empregados o empregador poderá adotar a licença remunerada.
Nesse caso, não há problema para o ordenamento jurídico que empregado e empregador, de forma livre, façam ajustes, para que não haja prejuízo para as partes envolvidas. O artigo 59 da CLT, em seus parágrafos 5º e 6º admitem o banco de horas, por acordo escrito acumular horas extras para posterior compensação – desde que o tempo para o gozo não ultrapasse a seis meses. Houve, portanto, uma flexibilização para a admissão do banco de horas.
Já o § 6º, também incluído, flexibiliza ainda mais o § 5º, uma vez que permite regime de compensação por acordo individual além do escrito, o acordo tácito desde que a compensação das horas extras seja feita no mesmo mês.
No que tange às férias coletivas, também é uma alternativa para os empregados subordinados, pois mantém a cadeia produtiva nas empresas.
O artigo 139 da CLT exige que nesse caso, o empregador com antecedência mínima de 15 (quinze) dias ao período das férias coletivas, comunique ao Ministério da Economia sobre a decisão com dados referentes ao início e fim das férias, indicando quais os setores ou estabelecimentos atingidos.
E se caso o empregado que não tiver completado os 12 (doze) meses do período aquisitivo para fazer jus a trinta dias de férias deverão gozar de férias proporcionais, iniciando-se, então novo período aquisitivo conforme aduz o artigo 140 da CLT.
No entanto, para a concessão das férias coletivas ante a pandeia sem observar o prazo legal supramencionado, deve ser feito um acordo coletivo emergencial com o sindicato da categoria, com cláusulas exclusivas para o período do surto, a fim de salvaguardar a empresa de possíveis relações trabalhistas futuras. E, caso o sindicato crie embaraços para as tratativas, seria possível um acordo individual nesse caso, em que os empregados que não fizerem jus as férias integrais gozarão de trinta dias mesmo assim, ante as medidas de urgência a serem adotadas para contenção da doença com aquisição de novo período de férias, pela analogia que deve ser aplicada ao artigo 140 mencionado.
Outra medida a ser adotada é a redução do salário pelo reconhecimento da força maior.
É cediço que a irredutibilidade salarial é clausula pétrea prevista no artigo 7º, IV da Constituição Federal, pelo inteiro teor
do julgamento da ADIN 939-7/DF, poderia ser reduzido o salário ante a redução da jornada pelo reconhecimento da pandemia?
Força maior, conforme o artigo 501, da CLT “é todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente”.
Nos casos de força maior ou de prejuízos devidamente comprovados a legislação trabalhista prevê em seu artigo 503, parágrafo primeiro, a redução salarial proporcionalmente ao salário de cada um, desde que observe o mínimo que é o salário mínimo e em consonância com a Constituição Federal deve estar acompanhado de acordo coletivo ou convenção coletiva.
No entanto, em razão da peculiaridade da pandemia, não há problema jurídico no acordo individual do trabalho, desde que o sindicato crie embaraços para regulamentar a redução de jornada, com a redução de salário, sempre ressalvando se tratar de situação excepcional e que as cautelas necessárias devem ser seguidas para não dar azo às fraudes, como é o caso da pejotização para o fim de fraudar o reconhecimento do vínculo empregatício, presente nos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (serviço prestado por pessoa física, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação), com a consequente condenação do empregador a proceder à anotação da CTPS e efetuar o pagamento das verbas contratuais e rescisórias a que faria jus como efetivo empregado..
O neoliberalismo, prega a absoluta liberdade do mercado para se auto regulamentar, notadamente nas regulamentações econômicas, surgindo novas formas atípicas de contratação, como é o caso da “pejotização”, distinta da terceirização.
O termo “pejotização” refere-se à contratação de um trabalhador na condição de pessoa jurídica, sem a obrigação do empregador da anotação na sua carteira profissional, eximindo-o assim das obrigações inerentes ao pagamento das verbas trabalhistas, tais como o décimo terceiro salário, as férias, o descanso semanal remunerado, os depósitos do fundo de garantia por tempo de serviço e todos os demais encargos sociais.
Maria Amélia Lira de Carvalho (2010, p.62), conceitua a “pejotização” como sendo: “[…] uma das novas modalidades de flexibilização, que resulta na descaracterização do vínculo de emprego e que se constitui na contratação de sociedades (PJ) para substituir o contrato de emprego”
Já a terceirização é um instituto jurídico presente na hipótese que o empregador para diminuir seus custos, transfere o ônus a uma empresa terceirizada, de tal sorte que os empregados não são subordinados a este empregador, mas à empresa terceirizada.
A terceirização sofreu modificações com a Lei nº 13.429/2017, que introduziu no texto da Lei nº 6.019/1974, os artigos 4º-A, 4º-B, 5º-A, 5º-B, e 19-A a 19-C, passando a ser admitido a contratação de mão de obra temporária, como forma de substituir os trabalhadores da empresa tomadora, quer seja nas suas atividades-meio, quer nas suas atividades-fim, pela empresa contratante.
Assim, não existe distinção entre atividade-fim e atividade-meio das empresas contratantes, tanto é que em 30 de agosto de 2018, o Supremo Tribunal Federal ao julgar em conjunto a ADPF 324 e o RE 958.252 (repercussão geral) fixou a seguinte tese jurídica: “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante -tema 725 da repercussão geral”. (PINTO, 2019).
Logo, quando o citado novel artigo 4º-A da lei que trata sobre o contato temporário disciplina que “considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito provado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução” não significa que a lei deu azo a terceirização irretroativa ou a “pejotização”, haja vista que o artigo 5º- C do mesmo dispositivo legal é manifesto ao dispor que quem dispensar trabalhador com carteira assinada somente poderá recontratá-lo através de “CNPJ” 18 (dezoito) meses depois, justamente por vedar a prática de fraudes.
Não obstante, para não engendrar ideias utópicas, mesmo com essa limitação legal nada impede que o empregador contrate outro trabalhador em seu lugar, com a exigência deste do número do seu CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica).
Se esse empregado “camuflado” absorvido pela lógica fraudulenta de mercado desempenha suas atividades laborais de maneira pessoal, sob a supervisão do patrão e se obriga a prestar contas de seu trabalho no seu cotidiano, evidentemente restará presente a fraude, situação que de nada valerá a elaboração contratual ou a formação da pessoa jurídica, haja vista que o reconhecimento do vínculo se torna patente.
Assim, nos casos de contratação por meio de pessoas jurídicas, como não há vínculo empregatício pode demitir esses empregados ante a pandemia decretada, reconhecida como força maior, conforme já relatado, desde que não haja recontratação imediata desse empregado para não incidir em fraude ou camuflagem de vínculo empregatício.
Não obstante tudo o que envolve os efeitos do COVID-19, em que o país e o mundo alterou rotina e hábitos, o mais importante é manter a serenidade, para a tomada das melhores decisões na economia e nas relações trabalhistas.
REFERÊNCIAS
BORGES, Gustavo Silveira; PASQUAL, Cristina Stringari. O dever de Colaboração nas Relações Contratuais. Revista dos Tribunais 2016 RT VOL.971. 30 de janeiro de 2017.
BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 18 mar. 2020.
BRASIL. Portaria nº 356, de 11 de março de 2020. Dispõe sobre a regulamentação e operacionalização do disposto na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que estabelece as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19). Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-356-de-11-de-marco-de-2020-247538346). Acesso em: 18 mar. 2020.
CARVALHO, Maria Amélia Lira de. Pejotização e descaracterização do contrato de emprego: o caso dos médicos em Salvador –Bahia. 2010. 153f. Dissertação (Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania) –Universidade Católica do Salvador, UCSAL, Salvador, 2010.
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PINTO, Alexandre Evaristo. Carf analisa tributação da pejotização pela contribuição previdenciária, 03 abr. 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-03/direto-carf-carf-analisa-fenomeno-pejotizacao-tributacao. Acesso em: 18 mar. 2020.
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[1] Disseminação mundial de uma doença. A Organização Mundial da Saúde utiliza seis fases para classificar surtos, sendo a pandemia o último deles. (GURARDI, 2020, p. A 18).
Fonte: Francislaine de Almeida Coimbra Strasser